quarta-feira, 4 de abril de 2012

Expedição “América do Sul no Pedal” chega ao fim

Trajeto final teve participação de educador físico jeronimense.

Fernanda Leal

     Eles são porto-alegrenses e profissionais da área de Educação Física que partiram em uma expedição de bicicleta pela América do Sul quatro dias após o casamento. Cristiane Pedroso Trindade e Moacir Miorando Júnior iniciaram a aventura batizada “América do Sul no Pedal” em 17 de novembro de 2010 e retornaram à cidade natal no último sábado, 31 de março de 2012. Foram 501 dias, um a mais do que o previsto, período em que passaram por Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela e litoral brasileiro, percorrendo uma distância de mais de 29 mil quilômetros.
     Segundo o blog (confere lá: http://americadosulnopedaldiariodebordo.blogspot.com.br), o objetivo da expedição foi “divulgar e valorizar a cultura Latina, demonstrar a possibilidade de se deslocar sem a utilização de veículo automotor e sem poluir e incentivar a prática esportiva”.
     Em sintonia com a filosofia do pedal e a proposta da dupla, o jeronimense Emerson Chiká, o Dunda, percorreu ao lado dos aventureiros o trecho final do trajeto. Emerson é também educador físico, proprietário de academia em São Jerônimo desde junho de 2010 e pratica corrida e pedaladas em longas distâncias desde novembro daquele ano. Além disso, é primo de Cristiane.
     “Eu já praticava a bicicleta em longas distâncias com um grupo de São Jerônimo e outro de General Câmara, às vezes sozinho também. Ainda antes de a Cristiane e o Moacir saírem pela América, combinamos que eu os acompanharia na chegada”, explica. E a “chegada” foi longa: para ele, foram 237 km, percorridos em um único final de semana. Haja pernas.

Quase lá
     Cristiane e Moacir chegaram a Balneário Pinhal, litoral sul do estado, na noite de quinta-feira, 29, onde ficaram hospedados na casa de parentes. A dupla é veranista daquela praia, onde são bastante conhecidos. Parte do patrocínio, inclusive, veio de um supermercado local. Emerson partiu de São Jerônimo na manhã de sexta-feira, 30, seguiu de carro até Osório e, dali, já a bordo da bicicleta, percorreu os 43 km até Balneário Pinhal.
     Ao encontrar os primos e companheiros de aventura, muita saudade. Abraços, conversas, risadas, era hora de botar o papo em dia em volta de uma mesa farta de café da manhã; a sexta-feira transcorreu assim, leve, dia de descanso e preparo para o dia seguinte, quando partiriam ainda cedo pela manhã para chegar a Porto Alegre no final da tarde.

O último dia
     Chegou o sábado. O trio – Cristiane, Moacir e Emerson – acordou às 7h e recepcionou outras duas pessoas que os acompanhariam até Porto Alegre: Camila e João Saikoski. O casal, morador da Capital e também experiente nos pedais, é proprietário de uma empresa que fabrica e comercializa bolsas impermeáveis. Os equipamentos são usados acoplados à bicicleta. Foram eles os fornecedores do material que foi usado e aprovado por Cristiane e Moacir na jornada.
      O grupo já somava cinco pessoas. Antes da partida, concederam entrevista a uma rádio local, que os acompanhou com transmissão ao vivo desde a saída de Balneário Pinhal, na RS-040, por volta de 9h, até o “túnel verde”, formação de eucaliptos famosa no Estado, localizada naquela estrada, que fica próxima ao município de Capivari. Tiveram ainda escolta da Brigada Militar até Viamão. “Isso foi importante porque, em alguns locais, o acostamento era muito ruim. Nessas horas, tivemos que tomar conta da pista. Tivemos muito apoio do oficial que nos acompanhou”, avalia Emerson.
     Na altura de Viamão, outro esportista uniu-se ao grupo: Fernando Tavares saíra de Porto Alegre às 14h50min daquele dia para encontrá-los às 16h30mim. “Eu fui colega do Moacir na faculdade, nos formamos juntos. Queria ir até Pinhal, não pude por causa de um compromisso de trabalho”, lamenta. Eram, agora, seis os aventureiros.

A chegada
     Foram 120 km percorridos só no último dia, desde Balneário Pinhal até Porto Alegre. A chegada oficial, que teve recepção, coquetel, música e muita gente, aconteceu na Academia Sal da Terra, localizada na Avenida José de Alencar, uma das patrocinadoras do projeto. Família, amigos e admiradores fecharam a rua para receber o grupo, que apontou às 19h30min. Cristiane e Moacir destacavam-se dos outros pela quantidade de bagagem que traziam. E pelo tamanho do sorriso.
     A chegada foi uma grande festa. “Esta viagem nos emocionou muito. Queríamos viajar, conhecer lugares, e poder contribuir com esse conhecimento, dividi-lo com as pessoas. Somos prova de que um outro modo de vida é possível: vivemos um ano e meio com duas mochilas e duas bicicletas”, avalia Cristiane. “Botamos a ‘cara a tapa’, enfrentamos nossos medos. Tivemos um retorno imenso, mensagens de apoio de pessoas que sequer conhecíamos. Eu estou muito feliz”, acrescenta Moacir.

Foto: Fernanda Leal
Emerson Chiká, o Dunda, ao lado da bike que o acompanhou nos 237 km do final de semana. Dunda fez Osório – Pinhal, na sexta-feira, 30; Pinhal – Porto Alegre, no sábado; e Porto Alegre – São Jerônimo, no domingo.

Foto: Paulo Ricardo Pedroso

Entrevista com Cristiane Pedroso Trindade e Moacir Miorando Júnior, idealizadores e realizadores do Projeto América do Sul no Pedal. Eles percorreram, de bicicleta, mais de 29 mil quilômetros em 501 dias.

Portal de Notícias – De todos os lugares visitados nestes 501 dias, algum os surpreendeu mais?
Cristiane – Sim, Galápagos. Foi um lugar que nos surpreendeu pela natureza. Na chegada, já vimos leões marinhos. Muitos animais diferentes, é tudo muito lindo.

Moacir – Na beira da praia, à noite, você vê quinhentos leões marinhos dormindo; nas ilhas, a gente viu tartarugas de até 200 kg nadando. São animais muito diferentes. Em um mergulho com snorkel, encontramos várias, e os leões marinhos literalmente pulavam por cima de nós. Já esperávamos muito de lá, porque é um lugar histórico mas, mesmo com grande expectativa, foi um lugar que nos surpreendeu.

PN – Houve algum local que vocês não conseguiram ver?
Cristiane – Dois lugares, no Brasil e na Venezuela. Tínhamos planejado fazer o Salto Ángel, na Venezuela, que é a maior cachoeira do mundo, mas eu quebrei o dedo do pé. E a Amazônia, aqui no Brasil, que só podia ser feita com trilha e eu, com o pé quebrado, não podia fazer. Foi um acidente sem grande importância, tropecei em um degrau, caminhando. Mesmo assim, nos atrapalhou um pouco.

PN – Quais foram as maiores dificuldades?
Cristiane – Para mim, foi a alimentação. Em cada lugar que íamos, a comida era diferente. Fora do Brasil, principalmente. Os hábitos alimentares, a forma como as pessoas se alimentam muda muito de um lugar para o outro. No Peru, por exemplo, as pessoas acordam e vão comer arroz com galinha – é a primeira refeição do dia. Eram coisas com as quais não estávamos acostumados. Além das frutas diferentes, da forma de cozinhar os alimentos. Há frutas que sequer imaginamos existir e que, no entanto, estão ali, em um país vizinho ao Brasil.

PN – E os momentos de mais nervosismo?
Cristiane - O maior problema foi na Colômbia, nas Farc. Não sabíamos como estava o conflito, estudamos pela internet os pontos mais críticos, mas não podíamos ter ideia do que estava acontecendo realmente no país. Isso nos afetou um pouco, ficamos tensos. Houve alguns lugares em que preferimos não passar para não correr riscos.

PN – Houve algum momento ou momentos de maior emoção?
Moacir – Não um único, porque todos nos emocionaram à sua maneira. Mas um lugar que nos emocionou muito, que marcou mesmo, foi Machu Picchu, no Peru. O astral daquele lugar é único. É inexplicável, porque a sensação é difícil de descrever, mas Machu Picchu foi, sem dúvida, uma experiência diferente de todas as que tivemos na viagem. As ruínas, hoje reconstruídas, têm uma energia incrível.

Cristiane – As ruínas ficam no topo da montanha; quando a gente chega lá em cima e olha aquela cidade, vê que é mesmo um lugar mágico.

PN – E as pessoas, são diferentes também?
Cristiane – Sim. No Peru, as pessoas ainda se vestem como faziam há cem anos, da mesma forma ancestral, tradicional. E eles vivem desta forma simples, o que para nós é, à vezes, difícil de entender. Eles fazem questão de preservar a cultura indígena, valorizam suas tradições. A cultura ocidental, em geral, aprendeu a valorizar a tecnologia, o desenvolvimento, mas lá os valores são outros. As pessoas vivem de uma forma que poderia ser considerada, sob essa ótica, primitiva; mas eles vivem bem, têm qualidade de vida superior à nossa.

PN – Como era a rotina de preparação para encarar a estrada?
Moacir – Dependia do nosso objetivo. Havia períodos em que queríamos pedalar todos os dias, mas fazer pouca distância por dia, e houve épocas em que queríamos pedalar
grandes distâncias, para depois poder folgar uns dias. Tudo dependia, então, de quantos
quilômetros iríamos fazer. Quando eram poucos, cerca de 50 km ou 60 km, a rotina era
acordar por volta de 8h ou 9h, tomar café e sair. Mas, quando a distância programada era grande, nos preocupávamos, então, em acordar cedo, tomar um café reforçado, e já sairmos bem alimentados. Nestes casos, já levávamos conosco a água e o alimento que seria consumido naquele dia para não precisar parar muito ou depender de bares na beira da estrada – o que, em alguns lugares, nem existia mesmo. Tudo para chegar ao destino antes da noite.

PN – Como era feita essa programação de distâncias?
Cristiane – Quando queríamos conhecer algum lugar, tentávamos ganhar tempo antes,
pedalando mais. Outro fator determinante era o terreno. Em área de montanha e com vento contra, o máximo que fazíamos era 40 km, mas em terreno plano, fazíamos 140 km e chegávamos muito bem. Hoje, por exemplo, nosso último dia, foram 120 km, e estamos muito bem.

Moacir – Quando estávamos no Chile, por exemplo, era impossível pedalar pouco. Mais de 80% do território que enfrentamos lá foi o deserto e, por esse motivo, as cidades eram separados por 100 km, 150 km até. E não eram grandes centros, não. Além disso, entre elas não havia nada, nenhuma casa, nenhum bar, restaurante, nada. Ou seja: tínhamos que pedalar muito, não era uma escolha. Já no Peru não. Ali, a cada 40 km havia um povoado. Esses lugares existem desde a época dos Incas, e eles costumavam ir a pé, de um povoado a outro. Assim, como no Peru era tudo mais próximo, não precisávamos de tanta programação e planejamento.

PN – Quantos quilos vocês carregavam na bagagem?
Cristiane – O Moacir carregava de 50 kg a 60 kg e eu, de 30 kg a 40 kg. Isso variava conforme a necessidade de levar com a gente mais ou menos água e comida, conforme a distância e o lugar onde estávamos.

PN – Como surgiu o projeto?
Cristiane – Na verdade, tudo surgiu muito naturalmente, uma ideia foi levando a outra.
Somos formados em Educação Física, já pedalávamos antes. O Moacir era militar temporário e estava saindo e eu, trabalhando em academia, mas sem salário fixo ou vínculo de emprego formal. A gente queria casar, mas não queria montar casa, queríamos viajar, conhecer coisas diferentes, culturas, lugares. Pensamos no tempo que estaríamos longe da família e que, para essa saudade valer a pena, nossa viagem deveria trazer algo não só para nós, mas que beneficiasse mais pessoas. Daí veio a ideia do blog, com os vídeos em que descrevíamos o dia e nossas experiências. Montamos o projeto, fomos atrás de patrocinadores e começamos o treinamento, que durou seis meses. Muitas empresas nos ajudaram e, ainda que o patrocínio não tenha sido integral, tivemos muitos apoiadores, com equipamento, roupas.

PN – O objetivo do projeto, segundo o blog, é divulgar e valorizar a cultura latina e incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte saudável e ecológico. Qual a avaliação de vocês, ao final da jornada?
Cristiane – Acredito que esse tenha sido o pontapé inicial. É um processo, ainda precisamos evoluir muito, mas acredito que as pessoas já estão começando a enxergar o uso da bicicleta com melhores olhos. É um estilo de vida. Estamos muito acostumados com a rotina de acumular coisas, sempre preocupados em “ter” mais. No entanto, o sucesso desse projeto prova de que duas pessoas conseguem viver, por muito tempo, com apenas duas mochilas e duas bicicletas. Foi tudo o que tivemos por um ano e meio, creio que essa seja uma forma de demonstrar que outros estilos de vida são possíveis. Não acho que a gente consiga mudar o modo de pensar das pessoas de uma hora para a outra, mas foi um passo grande.

Moacir – Em relação à abrangência do projeto, ainda é um pouco cedo para saber. Chegamos hoje, recebemos um retorno, mas muito ainda está por vir. Tivemos uma ideia pela quantidade de pessoas que entraram em contato conosco através do blog durante a viagem. Eram pessoas desconhecidas, que nos mandavam mensagens de apoio, elogios à iniciativa, um retorno imenso, muito bom. Para mim, só isso já valeu a pena, já superou nossas expectativas, porque não esperávamos que o projeto fosse
atingir tanta gente. Além, é claro, da família e dos amigos, que já estão naturalmente envolvidos. Sem dúvida, valeu muito a pena. Botamos “a cara a tapa”, enfrentamos nossos medos.

Cristiane – O importante é não deixar os medos serem maiores do que os sonhos.

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